sexta-feira, 2 de setembro de 2011

"Causos" de Antonina


Domingo passado estive no Hotel Capelista, a convite da Iara e do André, para participar de um "café com histórias". O evento fez parte do Projeto de Aprendizado deles e de mais duas alunas da UFPR Litoral, e trata do resgate de lendas e "causos" do litoral paranaense. Além de provar dos quitutes da Clotilde, cozinheira emérita e amiga, ouvi os relatos de pessoas conhecidas da população e suas memórias de infância e juventude. Escrevi para a Iara o que ouvi, para que ela acrescente aos relatos colhidos no decorrer do Projeto. Um deles é o que vai aqui.

I – Savarin

Criado no Cachoeira, morou até ficar adulto onde hoje está construída a Usina Parigot de Souza, da COPEL. Gostava de baile quando era adolescente e tinha um companheiro de todas as horas, que era o Nicolau, filho do Tibúrcio, e que trabalhava na construção da usina. Um não estava em lugar algum sem que o outro também não estivesse.

Foi que um dia o Nicolau passou na sua casa, contando que ia ter um baile na casa do seu Vitório, lá no Rio Pequeno. Só tinha um problema: o Nicolau era da pá virada e vivia aprontando encrenca. Por sua fama, estava proibido de frequentar a casa de nhô Vitório.

Savarin argumentou com o amigo, pois sabia que coisa boa não ia dar, mas não conseguiu demover o danado. Resolveu deixar a coisa correr. Combinaram de encontrar-se às oito horas da noite e foram pela estrada, garrafa de cachaça da boa na mão, até chegar o ponto da travessia do rio. O canoeiro que atravessava o povo para o baile não queria levar o Nicolau, mas acabou sendo convencido, porque o danado tinha lábia.

Na porta da casa não deu outra: o Nicolau foi barrado. Savarin entrou, porque era bem vindo na casa do festeiro, e resolveu aproveitar a festa, dançando fandango e bebendo. Mas, volta e meia, lembrava do Nicolau e não conseguia sossegar, porque sabia que o amigo não estava contente com a situação.

Depois de nova tentativa para entrar, que não deu certo, Nicolau resolveu pôr em prática um plano: foi até sua casa, pegou um sabugo de milho, um estopim de dinamite, que ele tinha nas suas coisas de trabalho, e forjou uma bomba de mentira. Voltou pra festa. Na casa do seu Vitório, que era também um bar, tinha o canto das bebidas, que eram servidas pelo Bituca. No lugar em que ele ficava, por trás do balcão, havia uma janela e foi por ali que o Nicolau jogou a bomba de mentira, com o estopim aceso. Foi um esparramo de gente pra todo lado, uma gritaria, e o estopim assobiando: szzzzzzzzzzzzz...

Quando chegou o final, o Nicolau gritou da janela: BUM!!

E saiu dando risada, vingado que estava.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O Mistério

Quando eu tinha 18 anos minha família havia se mudado para Santos, numa casa alugada de um português. A casa ficava ao lado da Escola Afonso Pena, uma escola particular de ensino fundamental. Naquele tempo, de 1ª à 5ª série (a última servia como cursinho preparatório para o ginásio). A casa era muito interessante, com caravelas esculpidas no telhado e uma cena pastoral de azulejos no muro. Havia um moinho de vento e fonte com repuxo, onde um menino esguichava água que vinha de um poço. O mecanismo da saída da água era movido pelo moinho de vento. Nós havíamos provido a fonte de peixinhos japoneses. Havia um jardim de inverno, lustres de cristal na sala e cenas pastorais pintadas pelo corredor e na copa. Era uma casa de personalidade. Nos fundos, uma réplica da casa da frente em tamanho reduzido servia de edícula. Ao lado dela e entrando para o terreno ocupado pela escola havia um barracão de madeira, onde os antigos moradores foram acumulando despojos: cadeiras de palhinha, espreguiçadeiras de lona, máquinas de datilografia quebradas, peças de vestuário feminino do final do século 19 (chapéus com penachos, golas de veludo, bolsas e sapatos) em arcas de madeira. Muitos figurinos dos anos 20. E o que mais me fascinava, livros. Livros de todos os tipos, encadernados caprichosamente ou não. Eu nunca havia sonhado com um lugar assim, um paraíso na terra. E como não podia deixar de ser, o paraíso na terra tinha um defeito: estava infestado de pulgas. Ninguém da minha casa, a não ser eu, se aventurava até lá. Eu ia, e nem queria saber das pulgas, que se aboletavam nas minhas pernas aos montes, vampiras sedentas por anos de clausura. Foi lá que li pela primeira vez os poemas de Florbela Espanca. Eles eram tentadores e impudicos para uma moça que se preparava para casar nos anos sessenta. Os poemas haviam sido datilografados de um livro e encadernados com uma capa de percalina preta. Lidos tantas vezes que acabei decorando alguns. Eu apelidei o lugar de Mistério. Todos de casa sabiam que quando eu sumia era lá que estava, campeando relíquias. Achei uma edição do livro Maravilhas do Conto Fantástico. Era meu preferido. Confesso que roubei o livro e o incluí no meu acervo, que não era grande. Por muito tempo o tive comigo, até que emprestei a um colega de trabalho, que nunca mais devolveu. O livro saiu do acervo, mas não do meu pensamento. Há uns 3 meses tive a ideia de procurar num sebo virtual e achei o tesouro. Comprei-o com o coração aos pulos e, quando o correio entregou no meu portão, não pude resistir, abrindo o embrulho ali mesmo, a face rosada pela emoção, os olhos embaçados de lágrimas ao constatar que eu era a mesma menina de dezoito anos, na porta do Mistério, prestes a uma nova descoberta.

domingo, 28 de agosto de 2011

Domingo Pasmacento e a greve da UFPR

A chuva deu um tempo e ainda agora até sol havia ali no meu quintal. Tratei de lavar e estender as roupas da semana (uniformes de escola, lençóis e toalhas, milhares de meias e panos de prato). E isso feito, me resta a pasmaceira de domingo. Canais espanhóis, passarinhos destruindo as ameixas que havia deixado no pé pra Iara e esqueci de avisar. German no topo da ameixeira comendo junto com os passarinhos e os marimbondos. Eu com meus botões fico aqui imaginando se volto pra Universidade. Porque tenho que pesar o fato de que não vou ser professora de português. Queria sempre ir à Universidade e me formar advogada, cheia de leis que defendessem ideias. Ser professora aos 65 anos, que é quanto vou ter daqui a três? Dar aulas para pequenos leitores? Para adolescentes que vão me olhar como uma marciana? Ou deixar tudo isso e procurar uma escola de filosofia? Ou dar conta da casa, com contas para pagar, roupas para lavar, comidas para cozinhar e servir? Meu Projeto de Aprendizado me encanta, com as mulheres antigas me passando receitas de suas infâncias, eu quero muito terminar esse livro de histórias e receitas. A greve continua, pelo que sei, e me dá uma margem de tempo para pensar e decidir. Será que vou, será que fico? E aí, grevistas guerreiros, muitos fura-greve? No meu tempo a gente chamava de pelego. Tem pelego na UFPR Litoral?