segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A Casa da Sogra






Na casa da sogra ela tinha que “pisar mansinho”. Licença para um copo de água. Para um cafezinho. Biscoito, só dois, o saco escondido rapidamente. Não havia vestígios de cumplicidade ou carinho.
Quando conheceu o marido, a primeira coisa que ele fez, depois de dormirem juntos, foi levá-la à mãe, que morava na praia. Filho único, estava se refazendo do luto do primeiro casamento. Um homem triste, com um casal de filhos para criar, uma casa construída para abrigar sonhos, onde agora havia o vazio de sons e cores.
Ela, não. Tinha se reservado, evitado o amor, para não sofrer como sua mãe, as irmãs, as cunhadas. Por isso mesmo, foi ela quem cuidou dos pais até a morte, criou os irmãos, deixou-os prontos para o mundo. E achou-se sozinha, numa repartição pública, cercada de pessoas que tinham sua vida para tratar.
Então aquele homem meio perdido, meio achado, querendo carinho. Ela, que não tinha para dar, foi criando, inventando, moldando o seu amor, até que se viu perdida, sem volta, só sabendo ser por ele.
E a sogra, no princípio, tudo. Bolo de fubá. Pão de casa, chá, café, os remédios caseiros para sua eterna enxaqueca. Paninhos bordados e tricô. “-Fique com eles!”.
No princípio nem notou a mudança.
Um dia, uma cólica depois do chá. Quando voltou foi direto para o hospital. Soro, olheiras profundas, o intestino liquefeito. Passou.
No ano seguinte ao casamento, outra vez a viagem à praia. A casa da sogra não era mais, como no ditado, farta e larga em liberdades. Olhares atravessados para as ousadias na cozinha. Temperos diferentes e modernos proibidos. Se a moqueca da nora faz sucesso entre as outras visitas, cara feia de volta. O gosto estranho no copo de cerveja, suas desconfianças guardadas. Quem iria acreditar? A pobre velhinha é só carinho e festas para toda a família.
Na volta da visita, a parada na serra para limpar o estômago do enjôo. Novamente, direto para o hospital. O médico, intrigado, pede exames. O marido, sem tempo, não lhe nota as olheiras mais profundas.
Outro verão. Não quer descer a serra, mas as crianças se agitam, os primos estão todos lá. Deixou que ele ficasse às voltas com o seminário de economia. Não resiste à batida de coco Quando o marido chega, já é tarde. Viúvo pela segunda vez em cinco anos e, estranhamente, o mesmo laudo médico, alguma coisa como insuficiência hepática.
Inconsolável, se mudou para a praia. Agora mora com a mãe, que já o aconselhou a conformar-se com o destino.