terça-feira, 4 de outubro de 2022

 A Mulher do Espelho

Na minha sala, em frente à mesa de refeições, tem um espelho. Nele eu vejo, diariamente, uma mulher mais ou menos da minha idade, que às vezes me sorri e cumprimenta e outras me mostra o dedo do meio. 

É uma criatura instável e eu costumo mandar-lhe um sinalzinho com a mão, por medo de maior proximidade. Penso sempre como deve ser bom morar no apartamento dela, as coisas que ela tem na sala estão bem posionadas e o corredor que conduz aos quartos é mais sombrio e misterioso. Não sei como é a cozinha dela. suponho que ela não saiba como é a minha. 

Às vezes finjo que não a vejo. Tem dias que não quero vê-la. As linhas do seu rosto parecem mais marcadas que as minhas e ela tem o hábito de tentar disfarçar os sinais da idade colocando rídiculos apliques para ocultar seus cabelos ralos ou uma leve maquiagem para disfarçar as olheiras.

Ela sabe quando quero ignorá-la e fica fazendo salamaleques e caretas para chamar minha atenção. Tenho pensado em retirar todos os espelhos da casa para não encontrá-la com tanta frequência, limitando nossos encontros ao elevador do edifício ou vitrinas do centro comercial, quando nos cumprimentamos com disfarçados acenos, para não revelar aos demais moradores ou câmeras de segurança nossa familiaridade. Mas uma decisão dessas me remeteria a uma devastadora solidão.

Enquanto isso, nos olhamos todos os dias e, às vezes, nosso olhar é tão semelhante de compaixão, que nós, apenas nesses momentos, sabemos o quanto somos parecidas.