sábado, 25 de junho de 2011

De volta ao começo

Depois de um longo recesso, estou de volta. Quem me conhece é quem me compra, já dizia minha mãe. De recesso vivem parlamentares e almas em desatino. No recesso desatinado pensei uma nova forma para o blog. Minha obstinação para postar meus contos me tornou uma escritora editada, o que me impede de participar com esses contos dos concursos a que ja me havia habituado. Então, relaxei e hei de gozar. A nova forma inclui resenhas (esta mandei para o professor de literatura, era um trabalho de conclusão do semestre), crônicas e até poemas de outros autores, pois o Paulo também está em recesso de poemas. Começo com a resenha, e vem por aí coisas que não quero antecipar. Espero que gostem.

Resenha do livro "Madame Bovary"


Madame Bovary – Gustave Flaubert

França – 1857

“Madame Bovary” conta a história de Emma Bovary, que mora no interior da França e sonha com a vida em uma grande cidade. Nascida e criada em uma fazenda, casa-se com um médico, homem simples e sem ambições. Emma entedia-se com essa vida e procura em aventuras com outros homens as emoções que sonhava viver quando adolescente. Essas aventuras acabam por enredá-la em dívidas e liquidar o patrimônio do marido. Confrontada com a realidade da ruína e a descoberta de sua infidelidade pelos vizinhos, acaba com a vida, envenenando-se.

Flaubert dividiu o livro em três partes, que são narradas por um suposto colega de estudos de seu marido. Cada uma delas trata de fases distintas da vida da personagem. Na primeira, a moça sonhadora que vive em uma fazenda com o pai, casa-se com o jovem médico da província e se decepciona com a vida que ele lhe oferece. Na segunda parte, ocorre à mudança para outra cidade e a maternidade, a descoberta da primeira paixão. Na terceira, a derrota de todos os sonhos e a sordidez da ruína moral e patrimonial.

Embora o romance tenha sido escrito no século XIX, continua atual, porque descreve a alma feminina com clareza e sem piedade. O narrador não tem piedade também com as outras personagens, despindo-as de qualquer vestígio de romantismo. Na primeira parte, o livro começa por tratar da vida de Charles, o marido de Emma, e é para ele que o autor volta suas luzes. Na segunda parte, os habitantes da nova cidade para onde o casal se muda “roubam a cena” e são descritos de forma fria, dissecados e expostos. Flaubert inaugurou, na França de então, uma literatura que hoje é comum, mas que para os padrões da época foi causa de grande escândalo.

Emma, a personagem central, é uma mulher igual a todas. A falta de piedade do narrador não a torna nem patética, nem vulgar, nem mesmo uma prostituta aos olhos da leitora do século XXI. Seus anseios pelo romance, pela paixão, são comuns às mulheres jovens de todas as classes sociais, hoje como então. Seu desejo de transformar a vida mesquinha em outra, mais glamorosa, endividando-se para enfeitar a si e sua casa em nada diferem do modo de vida atual, com o apelo para o consumo para o qual os meios de comunicação nos encaminham. Emma está por aí, todos os dias.

Madame Bovary é, realmente, um grande livro. Otto Maria Carpeaux, em seu ensaio sobre o romance, diz: “...com efeito,embora o romancista desprezasse sua personagem, sofreu com ela, contou-lhe a história. O enredo, de tanta simplicidade, desbordou. Flaubert, grande artista, teve o trabalho imenso para refreá-lo.” É uma crítica contundente ao modo de vida pequeno-burguês da região onde o autor foi criado, meio em que ele se reconhece. Todas as personagens são importantes para que o leitor compreenda o mundo de Emma. A inexistência do que hoje conhecemos como “sentimento materno” choca pela crueza com que é descrito, mas era assim que os filhos da burguesia eram criados. A ambição do farmacêutico para ser reconhecido, sua indiferença diante do sofrimento alheio, o comportamento mesquinho dos amantes, o amor cego do marido, a simplicidade da alma dele, a visão estreita do mundo, as eternas rusgas entre noras e sogras, todo esse cenário da França provinciana, caberia em qualquer lugar, ontem e hoje. Em síntese, é um retrato da vida, que por obra de um grande escritor, se tornou literatura.

O livro é recomendável para todos os públicos, mais precisamente para quem tem interesse no estudo da natureza humana.

Gustave Flaubert nasceu na França, Ruão, em 12/12/1821 e morreu em 08/05/1880. Filho de um médico, estudou no Colégio Real. Com 15 anos escreveu um drama em cinco atos, “Luis XI”. Nessa idade apaixonou-se por uma mulher onze anos mais velha, que foi, provavelmente, seu único amor, e com quem nunca teve um romance. Escreveu vários livros, sendo Madame Bovary o de maior sucesso, embora censurado pelo governo francês. Livros publicados: “A Educação Sentimental”, “A Tentação de Santo Antão”, “Bouvard e Pecuchet”, “Salammbô”, “Um coração Singelo”, entre outros.