A felicidade é um domingo de sol
Lembro de que, quando era criança, aos domingos, eu e minha irmã acordávamos muito cedo,
assim que o sol nascia e vazava pelas frestas da veneziana. No teto, apareciam
invertidas as sombras das palmeiras de um terreno baldio que ficava em frente à nossa casa.
Aquilo me intrigava e eu me punha a pensar. Não demorava muito e a sombra
sumia. Era como uma senha para nós: invadíamos o quarto dos meus pais e nós
enfiávamos pela coberta, felizes, apertadas entre eles. Contávamos nossas
novidades, minha mãe contava histórias, meu pai cantava. Era domingo, todos
estavam de folga, podíamos ficar ali, jogando conversa fora, rindo. Meu pai
fazia cócegas. Minha irmã gostava de se fazer de bebê, com aquela fala
atrapalhada. Eu achava ridículo, mas ela era a caçula e eles se deliciavam com
aquilo.
Minha mãe
levantava e preparava o café. Eu tomava banho correndo para alcançar a missa
desde o início. Ia junto com meu pai, que saia para comprar o jornal. No almoço
havia sempre carne assada de panela, com um molho ferrugem divino e batatas
coradas, maionese e macarrão. Depois havia a “matinée” no cinema, com seriados
– Tarzan e a Mulher Leopardo, O incrível
Dr. No, Roy Rogers – desenhos, filmes de “cowboy”, o intervalo para drops,
paqueradas e troca de gibis e, finalmente o filme em cartaz. Eram filmes muito
antigos, dos anos quarenta e cinquenta. O dono do cinema possuía uma coleção de
raridades e repetia os filmes com muita frequência. Nossa grande alegria era quando ele adquiria ou
alugava um filme novo. O cinema era de madeira, um grande barracão que
esquentava muito no verão. As cadeiras de madeira eram desconfortáveis, mas
ninguém se importava com isso. O cinema
era o nosso mundo mágico.
Depois do
cinema tinha sorvete. Eu voltava para casa com o som dos rádios pela rua,
irradiando o jogo de futebol. Vinha chutando pedras, distraída, cismando sobre
a fita, pensando no garoto que fazia sucesso com as meninas, no bolo de fubá
que me esperava, com café cheiroso, o pão suiço quentinho e a manteiga de
verdade, amarelinha, derretendo.