O CAVALEIRO INEXISTENTE
Por Jeff Picanço
Estes tempo reli um livro de Ítalo Calvino, o “Cavaleiro Inexistente”. Nesse livro, o impagável Calvino nos conta a história de um cavaleiro do Imperador Carlos Magno, o nobre Agilulfo. Agilulfo era um perfeito cavaleiro, com sua armadura branca, resistente e reluzente – mas vazia. Comandado só pela vontade, reto e perfeito, perfeccionista, cumprindo cegamente todas as regras e normas, Agilulfo desprezava seus companheiros, os outros cavaleiros, tão viciosos, tão deturpados pela vida e pelos humanos sentimentos.
Calvino, com sua acuradíssima prosa, nos diz que a vida é bem mais complicada do que pensamos. Quem não quer, acossado pelas premências da vida cotidiana, alcançar um patamar onde tudo seja puro, não corrompido, onde a vontade seja soberana e os vícios derrotados? Porém, como conseguir esse ideal?
Aqui em São Paulo a grande discussão estes tempos é a candidatura Russomano. Um outsider, um candidato sem estrutura nenhuma, lançando-se a prefeito sem o apoio de grandes máquinas e que está chegando ao segundo turno das eleições da maior cidade do país. Quer exemplo maior de vitória da vontade contra a necessidade da vida?
O que tenho visto sobre a candidatura de João D’Homero, na nossa Deitada-a-beira-do-mar, me lembra esse paradoxo. Trata-se, segundo sua campanha, de um candidato chapa-pura, combatendo máquinas eleitorais fortíssimas, apenas com o exemplo e com a vontade de dar certo.
No entanto, o que é apresentado? O texto de sua plataforma (aqui) é parco, vago e ambíguo. Na entrevista que vi na internet (aqui) , aparece um candidato sem ideias, sem expressão, sem o que contar de novo e diferente para o eleitor. Nos debates (aqui), diz que não sabe nada, mas que vai ter um secretariado que sabe o que fazer. Como assim?
Como Russomano, que não tem staff em que se apoiar, João D´Homero surfa no desconhecimento que o eleitor tem dele e de seus projetos (aqui). Faz da rejeição dos outros sua tabua de salvação (aqui). Mas existem perguntas a serem respondidas. Quais são suas ideias? Quem são seus apoiadores? Com quem vai governar? São perguntas que precisam ter respostas bem claras.
Meu caro Jeff Fonseca faz uma campanha modesta, mas honesta. Tem um partido forte localmente, com uma chapa de vereadores consistente, composta principalmente de comerciantes. Gostando-se ou não, tem um nome e uma identidade fortes, e uma forte dose de coerência, inclusive nas propostas que apresenta. Assim comparada, a campanha de João D´Homero ainda é uma incógnita.
A continuar nesse bom-mocismo sem propostas, o que podemos esperar?
Nosso bom e nobre Agilulfo, o cavaleiro inexistente, parece uma boa metáfora. Quando finalmente teve que se apresentar tal como era, ou seja, despir sua armadura, é que ele realmente se revelou. Agilulfo era um cavaleiro puro e sem vícios, virtuoso por nunca ter que testar sua virtude. Em busca da vida real, um dia ele apeou de seu magnífico cavalo, tirou o elmo, tirou a parte de cima e a parte de baixo da armadura: o que as pessoas viram foi nada. O vazio. Sem sua carapaça reluzente, Agilulfo era vazio como o vento que sopra à tarde nas árvores da Feira-mar.