sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Clarice Lispector




Fernando Py

Clarice Lispector nasceu em TchetcheInik Ucrânia, em 10 de dezembro de 1920, de família russa que fugia às perseguições contra judeus da então URSS. Chegou ao Brasil com dois meses de idade; a família reside por algum tempo em Maceió, transferindo-se para o Recife em 1924. Clarice passa a infância na capital pernambucana, estudando no Grupo Escolar João Barbalho e depois no Ginásio Pernambucano. Em 1930 perde a mãe e, três anos depois, o pai se muda para o Rio de Janeiro, onde Clarice termina o ginásio e inicia um período de muitas leituras, principalmente Júlia Diniz, Eça de Queiroz, José de Alencar e Dostoievski. Descobre Katherine Mansfield em 1938. Entra para a Faculdade de Direito em 1940, ano em que falece o pai. Em 1942, principia a escrever seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, publicado em 1944. Em 1943, naturaliza-se brasileira e casa com um colega de curso, diplomata Maury Gurgel Valente. Passa a acompanhar o marido em seus postos no exterior e, em 1944, já formada, principia a escrever O Lustre, seu segundo romance, publicado em 1946.

Em 1949, nasce em Berna, Suíça, seu primeiro filho, Pedro. No mesmo ano publica o terceiro romance, A cidade sitiada. Volta ao Rio de Janeiro no ano seguinte. Em 1951, residindo em Torkway, na Inglaterra, escreve os primeiros esboços de A maçã no escuro, romance que só será publicado em 1961. De 1952 a 1960, Clarice reside nos Estados Unidos. Em 1952, publica Alguns contos. Em 1953, nasce o segundo filho, Paulo. Em 1959, separa-se do marido e, no ano seguinte, publica o volume de contos Laços de família, passando a residir no Rio de Janeiro em definitivo, junto com os filhos. Em 1962, recebe o prêmio Carmem Dolores Barbosa, em São Paulo, por A maça no escuro. Em 1964, publica o romance A paixão segundo G. H. e o volume de contos A Legião Estrangeira.

Em 1967, fere-se gravemente num incêndio em seu apartamento. No mesmo ano ganha o prêmio Calunga pela publicação do infanto-juvenil O mistério do coelho pensante e inicia colaboração regular no Jornal do Brasil, escrevendo crônicas até dezembro de 1973. Em 1969, publica Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres e ganha o Golfinho de Ouro; no ano anterior saíra seu segundo infanto-juvenil, A mulher que matou os peixes. Em 1971, Clarice publica um novo livro de contos, Felicidade clandestina e, em 1973, Água viva, longo texto ficcional em forma de monólogo. Em 1974, saem os contos eróticos de A via-crúcis do corpo, além dos textos cursos de Onde estivestes de noite e mais uma história infanto-juvenil, A vida íntima de Laura. Em 1977, publica o romance A hora da estrela. Falece, vítima de câncer, a 9 de dezembro desse ano, um dia antes do seu 57° aniversário natalício. Postumamente, publicaram-se diversos inéditos de Clarice Lispector, sobretudo Um sopro de vida: pulsações (1979) e A descoberta do mundo (1984).

Quando Clarice Lispector estreou com Perto do coração selvagem, a crítica recebeu o romance com entusiasmo. Louvou-se nele a "mais séria tentativa de romance introspectivo" (Sérgio Milliet), e Antônio Cândido previu na autora a afirmação de "um dos valores mais sólidos... mais originais de nossa literatura". Os romances seguintes, sobretudo A maçã no escuro e A paixão segundo G.H., além dos contos de Laços de Família, aprofundam uma visão do mundo muito pessoal e a técnica narrativa se aperfeiçoa, numa linguagem ricamente metafórica (a ponto de já ter sido chamada de poética) e de grande coerência, numa abordagem pode-se dizer fenomenológica. A introspecção, em Clarice, serve-lhe menos para esmiuçar o psicologismo das personagens do que para pesquisar as razões metafísicas de sua existência. Aliás, quando falamos em coerência, queremos dizer justamente um constante predomínio, em sua ficção, do aspecto indagador diante do sentido da existência e da vida, de tal modo que às vezes – senão sempre – a criação propriamente dita cai para o segundo plano. Desde pelo menos A maça no escuro, acentua-se o processo de subjetivismo em Clarice. Já em A paixão segundo G.H., a criação praticamente inexiste, e o livro todo é mera especulação do pensamento. Mas Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres estabelece uma espécie de relação isomórfica entre a história de Lóri e Ulisses e a própria narrativa: trata-se de fato de uma "aprendizagem" tanto no terreno das relações entre os personagens quanto da própria escrita do livro. É a história de um progressivo domínio da linguagem da própria autora face aos personagens. À medida que o livro avança, Clarice vai se assenhoreando da linguagem até assumi-la plenamente a partir do episódio da piscina.

Pode-se ver, em toda a obra de Clarice, o cunho do Existencialismo. Porém, as implicações filosóficas da angustiosa busca da liberdade num mundo cada vez mais absurdo não se impõe a priori na sua ficção. As características introspectivas de seus livros sofrem um pequeno desvio no último romance que publicou em vida. A hora da estrela oferece três planos de narração: a história de uma nordestina, Macabéia, um narrador cuja história pessoal se interpõe no texto, refletindo a sua vida na da personagem, e um terceiro plano, o ato de escrever um romance, isto é, a história da própria narrativa. Os três planos acabam se fundindo no final, o narrador confessa que acaba de morrer com a moça, e o romance finda com suas últimas palavras.

De qualquer maneira, a grande preocupação de Clarice em seus livros sempre foi a linguagem. Em todos os seus contos e romances, há essa permanente busca pela linguagem, nesse trato da linguagem sempre renovadora, Clarice Lispector experimentou o seu modo de narrar e estruturar seus livros, criando uma das obras mais singulares da nossa literatura.



Matéria publicada em 01/02/2001 - Edição Número 18

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