Clarice era, ela mesma, mais amarga que todos os remédios para o fígado. Juliana a adorava, embora o mau humor da amiga obrigasse a evitar convites. O marido mal a suportava e não a queria em casa. A amizade vinha de infância, não viviam uma sem a outra. Clarice, magra, ferina, rabugenta e brilhante, um sucesso na empresa multinacional. ”-Nunca vou me casar”. Já Juliana fechou o consultório de psicologia para atender à família, que aumentava todos os anos. Era feliz tratando as crianças e o marido, mantendo-os confortáveis e alimentados, as contas em ordem, o mundo sob controle.
Por causa disso, pouco era o tempo para ela. E como Clarice fazia parte das coisas e pessoas que aconteciam do lado de fora da sua casa, foi esquecendo de convidá-la para o chá uma vez por semana, depois para o aniversário das crianças, para o seu próprio , as férias na cidade onde haviam nascido, por fim o Natal.
Mauro, o marido, parecia feliz com isso. “-Que bom ela não ter vindo, eu já não tinha mais assunto!” ou “-Como duas pessoas tão diferentes podem ser amigas assim?”.
Lia nos jornais notícias sobre a carreira em ascensão da amiga. Trocavam telefonemas apressados: ”-Venha me ver” e “-Hoje não posso”. Foi ficando triste com a distância, sentindo falta das risadas, da cumplicidade, das conversas inteligentes e instigantes que Clarice provocava.
Um dia, decidiu fazer visita. Mauro viajando, as crianças com a babá, tomou o ônibus na esquina de casa e desceu a duas quadras, comprou “brioches” e “croissants”. Tinha a chave da portaria, haviam morado juntas até o casamento. O prédio antigo, sem elevador , exigia preparo físico. Chegou exausta no fim do terceiro lance da escada, a tempo de ver Clarice e Mauro na porta, num beijo longo de despedida. Distraídos no carinho nem notaram os pãezinhos caídos do pacote, espalhados sem ruído pelo carpete, enquanto Juliana descia rápida, para longe da cena que jamais reconheceria ter presenciado.
A vida e surpreendente, seu conto também! Obrigada pela visita e pelo carinho
ResponderExcluirUm abraço